22.7.03

Panettone com maionese. PANETTONE COM MAIONESE! Eu mereço. E ainda se fosse só isso... O problema maior é que todas as mulheres parecem tirar do DNA um pacotão de conselhos assim que uma delas engravida. Como explicar, por exemplo, que a Marininha – que nunca sequer sonhou em ter filhos; nem irmãos tem – tenha se tornado de uma hora para outra a maior conselheira de gestação para minha namorada? E é cada conselho... As duas devoram as páginas de um livro, O Bebê na Era de Aquário. A Marininha tem verdadeira devoção pela autora, uma americana oxigenada de olhar aguado e sorriso enjoativo. E minha namorada embarcou nessa. Ciência? Ginecologia? Obstetrícia? Pré-Natal, Ultrassom? Para que tudo isso, se temos os astros para nos guiarem, não é mesmo? A depender da Marininha, saberemos o sexo do bebê de acordo com a fase da lua e o parto será feito por uma índia velha e sombria balançando um chocalho de cascavel. Já fico me imaginando desesperado na hora do nascimento, berrando "Toalhas! Água quente! MAIS ÁGUA QUENTE!" pela casa. Daqui a pouco vão dizer que o bebê é obra da cegonha, e não minha.
Agora tinha outra preocupação, no entanto: panettone com maionese. E onde é que eu ia encontrar panettone dois meses depois do Natal, meu Deus??? Sei que rodei a cidade e acabei encontrando uma bombonière que tinha um estoque imenso de panettones encalhados. E é claro que a loja ficava a um quarteirão do escritório onde trabalho. Que graça teria a vida sem essas ironias, não é mesmo? Lá fui eu para minha casa, triunfante, seis panettones (leve três, pague dois – eu não podia perder essa) e um frasco de maionese na mão. Sentia-me como Ulisses voltando para casa e para os braços de sua amada. Só que minha Penélope não parecia muito disposta a colaborar:
– Hum – disse ela, depois de passar uma enorme quantidade de maionese numa fatia de panettone. – Não é tão bom quanto eu imaginei.
– Como assim, não é tão bom? O que você imaginou?
– Ah, sei lá. Achei que tivesse um gosto mais assim de... De... Ah, sei lá. Achei que fosse mais gostoso. Feito quindim com requeijão.
– Quindim com requeijão??? Isso é bom?
– Não sei. Deve ser, né?
– Ai meu Deus...
– Hum... Quindim com requeijão... Eu preciso comer quindim com requeijão.
– Não precisa nada.
– PRECISO! Senão nosso bebê vai nascer com cara de quindim com requeijão.
– Aí a gente manda ele pro circo.
– Rá, rá... Bobo. Vem cá.
– Pra quê...?
– Vem cá, oras.
– Hum...
– Fala com ele.
– Hein?
– Fala com o bebê.
– Como é? Falar com o bebê?
– É. A Marininha disse que é importante a gente falar com ele. Faz bem para o desenvolvimento da criança.
– Pode ser, menina. Mas não agora. Você está no segundo mês de gestação. Ele ainda não pode ouvir, é só um girino.
– Girino????
– É... – alerta vermelho.
– Você está dizendo que o MEU bebê é um GIRINO?
– Bom, não é bem um girino. Assim, não propriamente dito. Ele só se PARECE com um girino, mas não é um girino. Não se preocupe, ele não vai virar um sapo. Hehe.
– SEU INSENSÍVEL! Você não se importa, você nem quer saber, fica falando que o meu bebê é um... um... um GIRIIIIIIIII...
E desatou a chorar. Tentei consolá-la como pude, o que não foi fácil. Ela dizia que eu não a amava nem ao bebê. Que ia abandoná-los. Meu Deus! E eu que pensava que já conhecia todas as variações de humor possíveis. Bobagem! Grávida ela está ficando mais instável ainda.
E amanhã a família dela vem aqui para o almoço em que comunicaremos a gravidez. Sei não, sei não. Maus pressentimentos.

29.1.03

Oh, meu Deus. Acho que eu devia ter deixado o poodle em casa e mandado minha namorada para um spa ou algo assim. Seria mais seguro. Foi um choque chegar e dar de cara com ela parecendo o Coyote depois de mais uma perseguição frustrada ao Papa-Léguas. Tive que me esforçar para conter o riso ao ver aquela mulher toda estropiada vindo me receber na porta. Coitadinha, parecia tão frágil com aquela tipóia e o gesso no pé! E ainda ficou triste por não termos podido passar o Natal com a minha família. Toda quebrada, e preocupada com essas coisas... Ela pode ser um anjo de quando em vez.
E estava com uma mania nova também. Dá pra saber as estações do ano pelas manias dela. E a do verão é o Elton John. Quando fui para Porto Alegre, ela só conhecia Tiny Dancer, por causa daquela cena do ônibus de Quase Famosos. Não sei o que aconteceu durante minhas quatro semanas de batalha árdua por um contrato, mas quando voltei ela estava alucinada por Elton John. Skyline Pigeon, Goodbye Yellow Bricks Road, Rocketman, Your Song, tudo... Bom, não tudo. Pelo menos ela não fica ouvindo coisinhas chatas como Nikita ou Sacrifice, o que já é um alívio. Mesmo assim, é um exagero. Comprou CDs do cara. Dois DVDs. Fica procurando coisas a respeito dele na Internet. Até parou de me importunar com a velha história do aparelho ortodôntico: Agora diz que meus incisivos separados me deixam parecido com o EJ (que ela pronuncia i-djêi, é claro).
E eu nem posso reclamar da do Elton John. Se eu digo que hospedando o Monty já tivemos o suficiente de bicha inglesa pro resto da vida, ela rebate falando do meu repentino gosto por churrasco. Repentino... Eu sempre gostei de carne. SEMPRE. A viagem a Porto Alegre só acentuou um pouco isso. Digo que ela precisa ingerir proteínas, para acelerar a recuperação dos ossos. Claro que eu sei que ela precisa mesmo é de cálcio, mas é um mero detalhe. E, de qualquer maneira, nem essa demonstração de preocupação a comoveu: Depois de uma ou duas idas à churrascaria, começou a dizer que estava enjoada, que não podia nem olhar pra carne que embrulhava o estômago. "É cada desculpinha...", pensei.
E continuei pensando que fosse uma desculpinha, até uma madrugada em que ela pulou da cama e correu para o banheiro para vomitar.
- Tá tudo bem aí?
- Tá... Tudo bem... [ruídos]
- Tem certeza?
- Tenho.
Voltou para o quarto abatida.
- Você tá grávida.
- E você tá louco. Não começa com brincadeira.
- Não, sério. Você tá grávida. Esses enjôos...
- Nada a ver. Devo estar ruim do estômago, só isso. Se eu estivesse grávida,ia ter desejo de comer coisas esquisitas.
- Talvez isso comece mais tarde.
- Pára. Eu NÃO ESTOU grávida.
- Vai saber! E se seus desejos não forem de comer coisas esquisitas? Essa mania aí de Elton John, por exemplo. Ele é uma coisa esquisita...
- Ai meu Deus... Você quer tanto assim ser pai?
- Não é essa a questão. Estou só fazendo uma observação com base no que tem acontecido. Por que você não compra um daqueles testes na farmácia amanhã, só pra esclarecer isso de vez?
- Esclarecer o quê? Já disse que não estou grávida. Se estivesse, eu saberia.
- Saberia como?
- Intuição. Mulheres têm intuição.
- E homens têm raciocínio lógico. E agora meu raciocínio lógico está me dizendo que há possibilidade de você estar grávida. Compra o teste, vai.
- Se eu comprar o tal teste, você para de me importunar com isso?
- O que você acha?
- Acho que vai ser o único jeito. Mas vamos ter que fazer uma aposta. Se der positivo, você ganha. Negativo, eu ganho.
- Por mim tudo bem. Vamos apostar o quê?
- Oras, o quê! O de sempre...
- Sexo? OBA!
- Sabia que você ia gostar.
- Só tem uma coisa...
- O quê?
- Será que não vai fazer mal pra criança?
- Não enche, me deixa dormir.
Por mim eu passaria o resto da madrugada azucrinando com essa história. Mas o bom senso me fez parar. Não é bom abusar da paciência de gestantes. Pouco depois do almoço daquele dia, a conversa da madrugada já meio esquecida, o telefone toca. Ela. Chorando.
- Blbrfblnbntiiiiiiiiiiiiiivo!
- Calma, menina. Não tô entendendo nada. Respira fundo. Conta até dez. Caaaaaalma... Agora me fala.
- O teste deu positivo! [soluço]
- Teste? Que tes... O TESTE DEU POSITIVO???
- Eu tô grávida! [fungada]
- VOCÊ TÁ GRÁVIDA???
- Vai ficar repetindo tudo que eu falo?
- ...
- Você ainda está aí?
- Er... Tô. É que... Puxa!
- EU SEI! Vem pra cá!
- Estou indo.
Peguei minhas coisas e saí correndo do escritório. Correndo mesmo, esbaforido, e acho que estava com um sorriso besta na cara. Todo mundo me olhando, e eu nem aí. Como é que eu ia ligar pra coisas tão pequenas? Eu vou ser pai!

Às vezes parece que o Diabo fica entediado lá no inferno e vem até a Terra para se divertir às nossas custas. Foi o que aconteceu há três di...